Vamos voltar ao direito tributário hoje. Como quase sempre acontece, os assuntos tributários são mais específicos (e por vezes mais complexos) do que os que costumamos estudar no direito administrativo. Aquele que me traz aqui foi tratado em um julgado recente do Supremo Tribunal Federal, que passo a analisar a seguir.
Como vocês devem saber, a EC 33/2001 introduziu diversos dispositivos no art. 149 da Constituição, relativos a contribuições tributárias. Interessa-me, no momento, particularmente, a regra de imunidade tributária que foi criada por essa emenda constitucional, vazada no inciso I do § 2º do art. 149, nestes termos: “As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico (...) não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação”.
Em 2010, o Supremo Tribunal Federal firmou a orientação – muito importante e favorável ao fisco – de que essa imunidade, por ser objetiva, só se aplica a contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico que tenham como fato gerador a obtenção de receita (RE 564.413/SC; RE 474.132/SC; RE 566.259/RS). Dessa forma, ela afasta a incidência de contribuições como a COFINS (CF, art. 195, I, “b”) e o PIS/PASEP (CF, art. 239), mas não se aplica a contribuições como a CSLL (CF, art. 195, I, “c”) e a extinta CPMF.
Vejam que, se a imunidade fosse subjetiva (isto é, fosse instituída em função de uma pessoa, de um sujeito), ela beneficiaria a empresa exportadora (a pessoa jurídica), de sorte que o lucro por esta obtido ficaria imune – bem como qualquer outra tributação que ela tivesse que suportar como decorrência, ainda que indireta, da exportação que efetuou. Mas não se entendeu assim. Sendo objetiva a imunidade, nada valem considerações acerca do exportador; é só a operação de exportação que é imune, e só as receitas que decorram dessa operação.
Bem estabelecidos esses parâmetros, ainda assim permaneceu uma controvérsia entre o fisco e os contribuintes. Discutia-se a incidência, ou não, da Contribuição para o PÌS/PASEP e da COFINS sobre receitas que a empresa exportadora obtenha e que não correspondam estritamente ao conceito de “faturamento” (receitas de venda de bens e prestação de serviços que constituam objeto da atividade empresarial da pessoa jurídica). Especificamente, o fisco entendia que as chamadas “variações cambiais ativas” eram receitas financeiras que não estariam alcançadas pela imunidade, enquanto os contribuintes defendiam que pouco importa saber se financeiras ou não essas receitas, pois elas seriam imunes em razão do fato de decorrerem das exportações.
É necessário abrir um parêntese para explicar o que são essas “variações cambiais”.
Uma empresa exportadora nunca pode receber pelas suas exportações moeda estrangeira. Ela precisa, portanto (isso é sempre obrigatório), fazer um contrato com uma instituição financeira (“contrato de câmbio”), mediante o qual a exportadora vende à financeira a moeda estrangeira que o comprador estrangeiro pagará pela aquisição do bem ou serviço exportado, devendo a financeira converter a correspondente quantia para reais, que serão entregues à exportadora. O contrato é fechado em uma data (“data de fechamento”), na qual a taxa de câmbio é uma, resultando em um determinado valor em reais; e a liquidação do contrato (entrega efetiva da moeda estrangeira à financeira) ocorre em outra data (sempre posterior), na maior parte das vezes com outra taxa de câmbio, resultando, nesse caso, em um valor em reais diferente daquele estabelecido na data do fechamento.
Imaginemos que a exportação foi feita em dólares (cem mil dólares, digamos) e, na data do fechamento do contrato, a cotação estava em um dólar para dois reais. O contrato, então, foi fechado em duzentos mil reais. Mas, na data da liquidação (entrega efetiva dos dólares à financeira e conversão deles para reais, a serem entregues à exportadora), a cotação do dólar estava em dois reais e quinze centavos. Ora, nesse caso, a exportadora receberá efetivamente duzentos e quinze mil reais, dos quais duzentos mil são o “faturamento” e quinze mil são “receitas cambiais” (variação cambial ativa). Se a cotação variasse de tal forma que o exportador recebesse menos do que estava estipulado no fechamento do contrato, teríamos uma “variação cambial passiva”, ou negativa (que não nos interessa aqui, porque não é receita).
Agora fica mais fácil entender a briga: o fisco queria tributar com PIS/PASEP e COFINS os quinze mil do nosso exemplo, alegando que seriam receitas financeiras não imunes, ao passo que os contribuintes queriam o reconhecimento da imunidade dessas receitas, por decorrerem de exportação, pouco importando se classificadas como financeiras ou não.
Pois bem, o Supremo Tribunal Federal decidiu, com repercussão geral, que essas receitas de variação cambial ativa são imunes, estão alcançadas pela regra de imunidade tributária do inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição, não incidindo sobre elas PIS/PASEP e COFINS (RE 627.815/PR, rel. Min. Rosa Weber, 23.05.2013). Destacou-se que a imunidade em comento não é concedida apenas às “receitas de exportação” (que corresponderiam ao “faturamento”, estritamente), mas sim às “receitas decorrentes de exportação”, expressão mais ampla.
Dessa vez, portanto, a decisão de nossa Corte Suprema favoreceu os contribuintes.
É só isso. Podem ter certeza de que, nas próximas provas de direito tributário, aparecerão questões com o seguinte enunciado (ou similar): as receitas decorrentes de variação cambial positiva (ou ativa) obtidas em operações de exportação são imunes a tributação por contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, sobre elas não incidindo, por exemplo, a Contribuição para o PIS/PASEP e a COFINS. Marquem “verdadeiro”, tranquilos.
Até a próxima.